TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Na expectativa de que o STF (Supremo Tribunal Federal) retome nesta quinta (1º) o julgamento da ação que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, uma comitiva de 16 mães e familiares de pessoas que foram mortas por forças do Estado será recebida pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e pelo ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, em Brasília.
A ação pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343 de 2006 (Lei de Drogas). O texto considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não esclarece quanto à quantidade a ser considerada ilícita.
Em manifestação conjunta ao Supremo, a Defensoria Pública de São Paulo, a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Conectas Direitos Humanos, a ABGTL (Associação Brasileira de Lésbicas Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo) e a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas defendem a descriminalização sob o argumento de que a repressão às drogas vem contribuindo para o “encarceramento em massa, sobremodo, de pessoas negras e periféricas”.
Uma das pessoas que foram a Brasília para o encontro é Ana Paula Oliveira, cofundadora do coletivo Mães de Manguinhos. “Nossa luta é por Justiça, memória e verdade, mas, acima de tudo, pela vida da população preta, pobre e favelada”, diz.
Ela é mãe Johnatha de Oliveira Lima, morto em 2014 com um tiro nas costas aos 19 anos na favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, disparado por um policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) durante operação de apreensão de drogas.
“Eu costumo dizer que a polícia, nesses casos, não mata só o corpo, mas também a dignidade da pessoa. Desumaniza essas vítimas para dar legitimidade ao discurso de guerra às drogas que eles usam para tentar justificar esses assassinatos”, declara.
“Nas favelas o que tem são varejistas [de drogas]. Os grandes traficantes não estão nas favelas. Eles têm helicópteros, jatinhos e fazendas com pistas para pousar os aviões com drogas”, afirma. “Então, esse discurso de combate às drogas é uma falácia.”
Outras mães que perderam os filhos em operações policiais também estarão no encontro, articulado pela Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e pela Conectas Direitos Humanos. Estarão presentes representantes dos movimentos Mães de Maio, Mães de Osasco (SP), Mães da Leste de São Paulo, Mães do Paraisópolis, Mães do Jacarezinho e Mães da Periferia, além de outras mães vindas da Bahia, do Ceará e de Minas Gerais.
“Essa agenda é importante porque ela reúne mães e familiares de pessoas vítimas do Estado como protagonistas do debate pelo fim da violência nos territórios periféricos e contra a população negra”, avalia Juliana Borges, articuladora política da Iniciativa Negra.
Segundo ela, outra discussão fundamental que essa comitiva leva às mais altas esferas do poder público é o amparo e a reparação a essas vítimas. “Para além de o Estado vitimar seus familiares, ele também adoece essas mulheres. Há uma morte simbólica que é consequência dessas mortes físicas. E essas mães em geral passam por processos de depressão e ansiedade”, afirma.
O grupo esteve presente, nesta quarta (31), na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para a discussão do projeto de lei 2999/2022, que institui uma política de atendimento psicossocial e jurídico especializado para mães e familiares de vítimas da violência do Estado.
**PROMOTORIA DEFENDE CRIMINALIZAÇÃO**
Contrário à descriminalização do porte de drogas, o Ministério Público de São Paulo afirmou em sua manifestação ao STF que “a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal é, no Brasil, no momento atual, um imperativo, se realmente se quiser enfrentar os graves problemas de saúde e de segurança públicas”.
O órgão é parte no processo do STF porque o debate trata de um caso originário de São Paulo.
A Promotoria argumenta que a aquisição de substâncias psicoativas ilícitas pelo usuário é apenas o ato final de uma longa cadeia de delitos. Segundo o documento, assinado pelo procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, “a ausência de criminalização da última etapa da cadeia de comércio traria virtual desproteção” de direitos fundamentais e sociais.
Se a repressão ao comércio ilegal é um imperativo constitucional, afirmou o órgão, “não se compreende como o Estado poderia cumpri-lo, se na outra ponta do tráfico estará o usuário, sem estar sujeito a limites impostos pela lei”.
Autor(es): FERNANDA MENA / FOLHAPRESS