SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) lida, atualmente, com quase 480 pedidos de povos indígenas para que a União reconheça as terras como suas.
O órgão, porém, perdeu a atribuição da demarcação de terras com a aprovação da chamada MP da Esplanada pelo Congresso Nacional. A medida que reestrutura o governo passou a competência pela demarcação, que estava com o Ministério dos Povos Indígenas -ao qual a Funai está vinculada-, para o Ministério da Justiça. Ainda não se sabe como a mudança se dará na prática na nova pasta.
O reconhecimento da terra é um direito previsto na Constituição Federal e estabelecido por meio de um processo administrativo, regulamentado por decreto da Presidência da República (decreto 1.775, de 8 de janeiro de 1996).
Até então o estudo de identificação e delimitação do terreno era conduzido por um grupo de trabalho sob responsabilidade da Funai, do qual fazem parte profissionais de diversas áreas, como engenheiro ambiental e agrônomo.
O grupo é coordenado por um antropólogo especialista. Cabe a ele lidar com os indígenas durante o processo, o que exige capacidade de se comunicar nas línguas dos povos originários.
O grupo técnico reúne documentos em cartórios e órgãos fundiários e também conduz estudos antropológicos, ambientais, fundiários, sociológicos e cartográficos, entre outros, para apresentar um relatório à Funai. É a presidente da Funai quem pode negar ou aprovar o pedido de demarcação.
O órgão, então, publica o relatório no Diário Oficial da União e do Estado onde a área está localizada. A Funai também informa a prefeitura daquela região sobre o processo em andamento.
Desde a abertura do processo e até 90 dias depois da publicação pela presidência da Funai, fica aberto o prazo para que pessoas físicas ou jurídicas se manifestem sobre a demarcação, para pleitear indenização ou apontar problemas no relatório, por exemplo.
“Qualquer um, seja um fazendeiro ou uma empresa, pode contestar os estudos da Funai com documentos, laudos e perícias. A Funai deve responder essas contestações antes de enviá-las para o Ministério da Justiça”, afirma a advogada Juliana de Paula Batista, do ISA (Instituto Socioambiental).
O Ministério da Justiça, então, tem 30 dias para publicar uma portaria especificando os limites da terra indígena. A partir dessa portaria, a Funai instala placas no território com alertas de que o local é habitado por povos indígenas.
A demarcação só é homologada mediante decreto da Presidência da República. Os prazos, segundo especialistas no assunto, raramente são cumpridos e perduram por anos.
Por último, a Funai faz o registro da área em nome da União junto à SPU (Secretaria de Patrimônio da União).
A Constituição garante ao morador indenização somente pelas benfeitorias eventualmente realizadas naquela terra -por exemplo, edificações, pomar, curral.
Já o pequeno produtor, classificado assim pela reforma agrária, deve ser contemplado com indenização pelas benfeitorias e com reassentamento pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A Constituição não prevê indenização para quem invade a área após a homologação presidencial. No entanto, especialistas apontam que, se o projeto de lei (PL) 490/2007, que estabelece o chamado marco temporal, for sancionado, é possível que esse processo administrativo seja modificado.
“Pela nova lei, as pessoas que entrarem nessas terras em qualquer momento poderiam ser indenizadas”, diz a advogada.
O texto do marco temporal, aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça (30), considera que são dos indígenas somente os territórios ocupados pelos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro daquele ano.
A ausência da comunidade naquela área até então descaracteriza o enquadramento na reivindicação da terra indígena, exceto no caso de conflito por posse persistindo até 5 de outubro de 1988.
Segundo Juliana, do ISA, há comunidades indígenas que foram expulsas de suas terras e que terão dificuldades em reunir provas de que viviam naquela área anos atrás.
“É uma decisão muito arbitrária, os povos indígenas eram tutelados pela União até a Constituição de 1988. Isso significa que eles nem podiam entrar na Justiça”, afirma a advogada.
A Funai contabiliza 761 terras indígenas registradas, isto é, 14% do território brasileiro. Dessas, oito foram homologadas e outras 475 estão regularizadas.
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PASSO A PASSO DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS
Grupo de trabalho da Funai faz estudo de identificação e apresenta para a presidência do órgão, que deve aprovar o relatório e publicar versão resumida no Diário Oficial da União e do Estado.
É aberto prazo de 90 dias para pessoas físicas e jurídicas se manifestarem contra o estudo e/ou pleitearem indenização por benfeitorias naquela terra.
O processo administrativo volta à Funai, que responde eventuais contradições apontadas e encaminha para o Ministério da Justiça.
O Ministério da Justiça toma uma decisão e, se for o caso, publica portaria determinando a demarcação e os limites da terra indígena.
A demarcação é homologada em decreto da Presidência da República.
A Funai vai à SPU (Secretaria de Patrimônio da União) fazer o registro cartorário da área homologada.
DEMARCAÇÃO EM NÚMEROS
Em estudo (grupo da Funai faz relatório): 137
Delimitadas (presidência da Funai aprovou relatório): 44
Declaradas (Ministério da Justiça publicou portaria): 73
Homologadas (decreto assinado pela Presidência da República): 8
Regularizadas (terras já registradas em cartório em nome da União): 475
Fonte: Funai
Autor(es): CARLOS PETROCILO / FOLHAPRESS