SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A estilista Dominique Jacon, 28, estava saindo há um ano com a mesma pessoa, mas não sabia exatamente o que era aquela relação –não era namoro, não era amizade. Eles falavam “eu te amo” um ao outro, mas apresentar para a família estava fora de questão.
Quando indagava ao parceiro o que tinham, ele dizia para deixarem rolar. Em alguns momentos, a relação era monogâmica. Em outros, era aberta.
Ela queria um rótulo e uma amiga explicou que ela estava em uma “situationship”. O termo é uma brincadeira com as palavras em inglês “relationship” (relacionamento) e “situation” (situação), e indica alguém que poderia ser classificado como um “ficante premium” ou um “rolo oficial”.
O casal acabou terminando, mas Jacon diz que o caso foi importante para ela entender o que gosta e o que não curte mais em um relacionamento. Hoje, busca um namorado em uma relação monogâmica.
Assim como as “situationships”, termos como relações abertas e não monogâmicas têm ficado cada vez mais comuns. A estilista afirma que cresceu o número de amigos próximos que estão em relações não monogâmicas, se dão bem e são felizes. Mas, para ela, o formato não funcionou.
Diferentes formatos de relacionamentos aparecem cada vez com mais frequência, mas não é possível dizer que os millennials (nascidos entre início dos anos 1980 e meados da década seguinte) foram os últimos românticos.
Um relatório divulgado em março pelo Tinder aponta que a geração Z (nascida entre o final dos anos 1990 e 2010) não descarta relacionamentos amorosos, mas prefere defini-los de forma diferente dos mais velhos.
Segundo o levantamento, a maioria das pessoas entre 18 e 25 anos busca companheirismo, amizade ou encontros sem compromisso no aplicativo. Ao mesmo tempo, 64% desse grupo dizem gostar da satisfação emocional que um relacionamento proporciona.
Mesmo em relações casuais, a busca não é apenas pelo sexo em si, aponta o relatório. Os jovens admitem que querem criar vínculos e passar um momento íntimo e carinhoso com alguém novo –mas isso acontece porque gostam de conhecer pessoas diferentes (63% da faixa etária de 18 a 25 anos disseram isso) e de fazer novas conexões (61%), não porque querem se casar.
Há uma diferença geracional. Na geração Z, há maiores chances de a relação ter início como amizade e ter um desfecho mais amplo, não necessariamente romântico. Já entre os millennials, a tendência é de associar algum tipo de intenção romântica aos relacionamentos casuais.
Por isso, é na geração mais nova que é mais comum o uso de termos como “lance”, “amizade colorida”, “ficante sério”, “contatinho”, e, é claro, “ficante sem compromisso”.
Jairo Bouer, psiquiatra e especialista em sexualidade, nota que não é como se o ideal romântico tivesse sido perdido entre os mais jovens. Para ele, a ideia de encontrar alguém segue presente, mas com formatos de relacionamento mais variados.
O médico ouve com frequência cenários como: “eu amo meu amigo, transo com meus amigos, estamos em uma relação, mas posso estar em outra ao mesmo tempo”.
“Há uma gama maior de opções e eles estão menos preocupados em fechar essa história tão cedo”, diz.
Agora, com tantos termos hoje para relacionamentos abertos, sem rótulos e sem compromisso, precisa de mais um? Bouer admite que não vê uma diferença clara entre um ficante e alguém que está em uma situationship, mas talvez o termo esteja ligado com a necessidade geracional de atualizar comportamentos que já existiam para as outras faixas etárias.
Marcada pela superexposição às telas e por realizar sexo com menos frequência, a geração Z foi uma das mais impactadas pela pandemia da Covid-19, com interrupção de interações sociais.
“Eles se enchem muito facilmente, há uma tolerância baixíssima à frustração. Qualquer incômodo, eles caem fora. Isso vai na contramão de um relacionamento em que você tem que negociar, ceder, discutir limites o tempo todo”, diz ele.
Mayumi Sato, sócia da rede social Sexlog e apresentadora do podcast Vida Não Mono, considera que essas relações mais fluídas são um reflexo da realidade atual.
“Não temos mais relações profundas nem quando falamos de trabalho. As pessoas não pretendem mais trabalhar por 20 ou 30 anos no mesmo lugar”, exemplifica ela. “Não dá para cobrar uma profundidade de pessoas que estão vivendo de uma forma talvez mais fluída em outras esferas da vida.”
Apesar de a tendência ser mais latente na geração Z, não é restrita a eles. A influenciadora Ana Aguiar, 32, conhecida nas redes sociais como Ana Cilada, começou a repensar as relações há três anos, quando terminou de vez um relacionamento de idas e vindas.
De lá para cá, começou a contar dos causos nas redes sociais e angariar seguidores. “Eu tinha certo desejo de casar e constituir família. Não é como se isso não existisse hoje, mas é por um outro ponto de vista”, diz ela.
Em 2020, começou a namorar. Em meio à pandemia, mantinha o relacionamento monogâmico e tradicional. No ano seguinte, eles terminaram. Ficaram poucos meses separados e retomaram.
Durante quase dois anos, viveram em um situationship e há cerca de um mês reataram o relacionamento. Agora, está aberto, mas há regras. Quando saem e sentem vontade de ficar com alguém, está liberado. Mas nada de trocar contato ou deixar de estar com o outro porque marcou um encontro.
“Esse é o limite que a gente entendeu que está disposto a construir”, diz. Para ela, é preciso desmistificar a ideia de que pessoas em uma relação não monogâmica estão sempre ficando com outras. “Dentro desse processo vai ter momentos em que você e o seu companheiro vão estar mais abertos a essas flexibilidades ou pode ter momentos também que entendam como a gente está soltando, mas é um pouquinho.”
Mayumi, do Sexlog, diz que as terminologias para diferentes relações ganharam novas roupagens, mas sempre existiram, embora menos frequentes. “É natural que as novas gerações testem coisas. Nem tudo vai prosperar e nem se estabelecer”, diz.
Porém, apesar das novidades em relação aos formatos de relacionamentos, ela adverte que há beleza no piegas e que as pessoas não deveriam deixar de celebrar suas relações. “Você pode estar só ficando, com amigo colorido, relação poliamorosa, sou a favor de celebrar. Eu gostaria que as pessoas só não se sentissem mal de serem piegas.”
Autor(es): ISABELLA MENON / FOLHAPRESS