Ensaio histórico joga luz sobre o berço do nazismo 63 anos após publicação

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estamos em Berlim, em 25 de outubro de 1934. Um agente da Gestapo entrega no Hotel Adlon uma intimação para que a residente Dorothy Thompson, correspondente do New York Post, deixe a Alemanha em 24 horas. No dia seguinte, a jornalista, expulsa por ordem pessoal de Adolf Hitler, embarca em trem expresso para Paris. Ela é cercada por dezenas de repórteres que a afagam e a presenteiam com flores.

Thompson (1893-1961) já era uma espécie de celebridade alemã da profissão. Autora de reportagens corajosas e ousadas, ela também teve uma agitada vida pessoal, com uma namorada e três maridos, um deles o escritor americano Sinclair Lewis, vencedor do Nobel de Literatura em 1930.

Em 1940, com a Segunda Guerra já comendo solta, a jornalista recebeu a encomenda de um longo ensaio para a revista Foreign Affairs. A mesma Foreign Affairs, especializada em análises extensivas de política internacional, republica agora o texto de Dorothy Thompson, que é historicamente didático, diz a publicação, porque fornece o relato bastante crítico de alguém que estava sentada nas primeiras fileiras durante o nascimento do nazismo.

O texto é anterior a muita coisa importante na guerra. Faltava ainda um mês para que a Alemanha invadisse França, Bélgica e Holanda. Um ano depois os alemães atacavam a Rússia, e, no final de 1941, depois de bombardeada sua frota pelo Japão em Pearl Harbour, os Estados Unidos entrariam no conflito.

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“De onde saíram esses alemães?”, perguntava a si mesma a jornalista americana. E seu longo ensaio é uma tentativa de resposta. A autora se entrega a uma dissertação etnográfica, a uma tentativa de radiografia do pensamento complicado de uma nação que pendeu para o mal.

Mas quem eram esses alemães, ao menos diante dos olhos de uma observadora que não havia ainda testemunhado a extensão da carnificina provocada pela Segunda Guerra? Eles não tiveram uma Magna Carta como os ingleses ou uma Declaração dos Direitos Humanos como os franceses. Estiveram por longas décadas mergulhados em Hegel, Marx e Nietzsche, como forças contrárias que puxavam o pensamento nacional em direções opostas e sempre repletas de conflito. Essa encruzilhada poderia desembocar em coisas boas, mas caiu numa coisa ruim: no livro “Mein Kampf”, de Adolf Hitler.

A obra, diz Thompson, permite a leitura do conteúdo da mentalidade germânica em sua forma mais degenerada. Essa é uma forma original de compreender o nazismo como ditadura e por isso mesmo combatê-lo.

Em outro momento, a jornalista -cuja percepção, insisto, funciona como a de uma sofisticada e complexa ensaísta- também afirma que o regime nazista emergiu em razão de um vácuo psicológico, dentro do qual se obliteraram os valores morais com os quais a sociedade alemã estava até então funcionando.

Pode-se então perguntar qual caminho o país precisou percorrer para cair nesse precipício moral. A resposta da jornalista é bastante original. Ela não culpa primordialmente a derrota na Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, pelo qual os ex-inimigos estavam dispostos a inviabilizar economicamente o país para que ele pagasse suas pesadíssimas dívidas de guerra.

A descrença veio de outro fator: a hiperinflação desencadeada nos anos 1920 a partir da qual os cidadãos perderam a noção do valor material -e por extensão, psicológico- das coisas.

O texto de Dorothy Thompson incorre ainda em incômodo anacronismo ao se referir ao nazismo como uma “revolução”. Ele não o foi. A palavra, excessivamente pesada, fazia certamente parte da gíria política e jornalística daquela época, mas rapidamente envelheceu. A gíria, não o pensamento de sua autora.

Autor(es): JOÃO BATISTA NATALI / FOLHAPRESS

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