SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No último mês, o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, negou pedido de licença da Petrobras para explorar petróleo na Foz do Amazonas, após acompanhar parecer técnico do órgão ambiental.
Segundo Agostinho, a empresa não apresentou dados suficientes que comprovem que, caso seja iniciada a exploração, não haverá impacto ambiental na região.
Além do embate político, que provocou uma crise entre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente Lula (PT), a exploração de petróleo na região esbarra em questões internacionais, devido à proximidade com a fronteira da Guiana Francesa, e socioambientais, pelo suposto impacto econômico que poderia trazer para a região.
Há também o risco de um grande desequilíbrio ecológico em uma área que, até há pouco tempo, era praticamente conhecida da sociedade científica, o grande recife de coral amazônico.
Embora algumas pesquisas tenham sido iniciadas na década de 1970, os corais amazônicos foram descritos mais detalhadamente em 2016, quando pesquisadores fizeram uma expedição científica que resultou em um estudo na revista científica Science Advances.
O recife, com tamanho estimado em cerca de 1.000 km em linha contínua, com 9.000 km2 (mas que, a depender das projeções, pode chegar a 15 mil km2) de área, concentra uma diversidade única de peixes, corais, algas e esponjas, além de outros organismos marinhos.
“Existem outros corais mesofóticos [como é chamado o tipo de ambiente formado na plataforma, onde há uma zona de profundidade intermediária] no mundo, mas esse tem uma característica única que é ser uma zona de transição da fauna caribenha com a amazônica”, explica Ronaldo Francini-Filho, biólogo e professor do Centro de Pesquisas em Biologia Marinha da USP (Cebimar).
A profundidade máxima encontrada na zona recifal da Foz do Amazonas é de 220 m -uma profundidade em que já não há luminosidade, e onde habitam organismos como algas (rotolitos) e fito e zooplâncton, além de alguns peixes profundos.
“Esse substrato oferece nutrientes para organismos que vivem na região chamada de plumas, que é logo acima, onde há luminosidade”, afirma.
Já na zona intermediária, com uma profundidade de aproximadamente 150 m, são encontradas esponjas e corais com alta deposição de calcário, formando os recifes. Nesta região, outros peixes acessam o local tanto como área de refúgio quanto de alimentação e reprodução.
Neste ecossistema variado, onde há um misto de luminosidade, há diversas espécies de corais, esponjas e peixes que vivem ali, descritos nos últimos anos. Alguns peixes de importância econômica, como o pargo (Lutjanus purpureus), que representa um dos principais animais pescados na costa do Amapá e Pará, tendo movimentado só no município de Bragança (PA), a cerca de 400 km de Belém, cerca de R$ 100 milhões em 2019.
“Existem alguns crustáceos, como o caranguejo-uçá, que vivem nas regiões costeiras e nos manguezais na costa do Amapá e Pará, mas que as larvas vão migrar até o recife, onde elas crescem até virar indivíduo adulto que depois volta para o manguezal. O mesmo acontece com algumas espécies de peixes. É um ambiente muito rico e de importância ecológica”, afirma Enrico Marone, oceanólogo e porta-voz do Greenpeace.
A ONG ambiental foi a primeira a atuar em uma campanha contra a exploração da região, em 2017, e fomentou expedições científicas que ajudaram a mostrar a sensibilidade da área.
Como um dos poços que a Petrobras deseja explorar, o poço 59, está a menos de 40 km do recife amazônico, um acidente na perfuração pode provocar um desequilíbrio ecológico sem precedentes no ecossistema.
“Mas não dá para olhar só para o poço 59, precisa olhar para a bacia sedimentar como um todo. O que a Petrobras apresentou foi um estudo localizado, sendo que toda aquela região tem uma hidrografia e uma sinergia únicas”, explica Marone.
A região da Foz do Amazonas é muito sensível também do ponto de vista hídrico, explica Francini-Filho. “É uma região de correntes marinhas muito fortes, com variações de maré das mais altas do mundo, podendo chegar a 7, 8 metros de diferença. Imagina se tem um derramamento e na maré alta todo esse óleo chega na região costeira, ou é depositado no fundo do recife?”, alerta.
O resgate em caso de acidente, como mostrou a Folha de S.Paulo, demoraria cerca de 43 horas a chegar até o local, tempo longo demais para impedir um impacto nos ecossistemas locais.
A Petrobras afirmou que vai apresentar um estudo mais aprofundado e solicitar novamente a licença para exploração. Os estudos apresentados até agora foram insuficientes e utilizam modelagem que o Ibama considerou como de baixa resolução.
“Quando você faz estudos com baixa resolução, não consegue modelar com precisão em quanto tempo, caso ocorra um acidente, ele vai atingir as outras áreas. Estudos feitos por organizações ambientais mostram que esse tempo pode ser de até dez horas, e isso inviabilizaria uma resposta rápida”, afirma Francini-Filho.
Outro aspecto é o de escassez de conhecimento da região, que foi recentemente explorada, mas ainda estima-se que cerca de 90% da biodiversidade marinha local sejam desconhecidos.
“Estudos feitos com recifes mesofóticos em outros lugares do mundo mostram que, a cada dez mergulhos, são descritas três novas espécies de peixes. Isso para regiões com uma fauna, do ponto de vista biogeográfico, menos sensível do que a da Foz do Amazonas”, conclui o biólogo.
Como a região é de transição entre a fauna caribenha e a amazônica –um “trampolim ecológico”, diz Marone–, explorar a sua biodiversidade pode ajudar a compreender, inclusive, os processos de troca dos organismos nas duas regiões.
Por essa razão, cientistas esperam que a área seja incluída como uma Unidade de Conservação, ou parque, onde existe uma restrição mais forte para exploração econômica.
Em nota, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) afirmou que “a criação de unidades de conservação foi retomada apenas nesta gestão, e que existem propostas de criação de uma UC nesta região, porém, é importante salientar que este processo parte do Ministério do Meio Ambiente para a Casa Civil”.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
Autor(es): ANA BOTTALLO / FOLHAPRESS