RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Um genérico de semaglutida, princípio ativo dos medicamentos Ozempic, Rybelsus e Wegovy, pode começar a ser fabricado no Brasil em 2026. A liberação para que outras empresas produzam e vendam o produto pode levar a queda substancial no valor das medicações, segundo especialistas em saúde e direito ouvidos pela Folha.
Os disponíveis no mercado, Ozempic e Rybelsus, são indicados para diabetes, mas amplamente usados de forma off label no emagrecimento. Já o Wegovy, indicado para obesidade, deve chegar às prateleiras no segundo semestre de 2023.
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POR QUE A QUEBRA DA PATENTE DA SEMAGLUTIDA ESTÁ EM DISCUSSÃO?
A Novo Nordisk, detentora dos direitos, solicitou à Justiça em 2021 a prorrogação do prazo da patente do composto semagalutida (princípio ativo dos medicamentos Ozempic, Rybelsus e Wegovy) e da tecnologia em formato de comprimido (Rybelsus), que teriam sido concedidos com atraso de 7 anos e 12 anos, respectivamente, pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).
A 5ª Turma do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), porém, negou no último dia 12 a apelação da fabricante, que ainda pode recorrer.
O colegiado acompanhou a decisão da relatora do processo, a desembargadora federal Daniele Maranhão Costa, tendo em vista o possível dano social do aumento do prazo dessas medicações à saúde pública, que hoje busca ferramentas para enfrentar a diabetes, sobrepeso e obesidade.
A magistrada alegou que “o direito do inventor de usufruir do invento com exclusividade precede o ato de concessão da patente.” Na prática, significa que a empresa poderia ter explorado o produto a partir do momento em que deu entrada no pedido de patente, pois estaria protegida pela lei.
Em nota, o laboratório afirma que “não deseja a extensão do prazo de suas patentes, mas simplesmente a restituição – em medida exatamente igual, em natureza e tamanho -daquilo que lhe foi extraído pela inércia do INPI durante a fase de análise e aprovação da referida patente.”
ATÉ QUANDO VAI A PATENTE DA SEMAGLUTIDA?
Por enquanto, se nada mudar no entendimento da Justiça, a indústria brasileira poderá começar a produzir em três anos. Segundo a Novo Nordisk, a patente principal, do composto de semaglutida, expira em 2026.
O Rybelsus, porém, tem também uma patente de formato, pois é vendido em comprimidos. A patente da tecnologia da ingestão oral vence apenas em 2031, o que permite a exclusividade de venda de semaglutida nesse formato até essa data.
O laboratório afirma que existem ações em curso sobre a manutenção da patente dos produtos à base de liraglutida (Victoza e Saxenda), outros medicamentos usados contra diabetes e obesidade, cuja exclusividade expirou em 2017.
O QUE MUDA COM A QUEBRA DA BATENTE E COMO FUNCIONA O PROCESSO?
A SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) tem boa expectativa para a chegada da liraglutida genérica ao mercado brasileiro, estimada para 2024. No caso da semaglutida, ainda não há previsão para que um genérico chegue às farmácias, embora empresas possam comercializar produtos que utilizem a tecnologia em 2026.
“É algo bom. Quanto mais empresas, mais produtos e isso abaixa o preço. Quando o custo cair, dependendo de como que venha o preço, a gente pode conseguir inclusive começar a discutir no SUS [Sistema Único de Saúde] a liraglutida”, diz Rodrigo Moreira, diretor do Departamento de Diabetes da SBEM.
Fernando Aith, docente na Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e doutor em Direito pela Faculdade de Direito da mesma instituição, indica que a quebra de patente é apenas um nome popular para um instrumento chamado de licença compulsória.
“É uma flexibilidade do TRIP (Tratado Internacional de Propriedade Intelectual), do qual o Brasil é signatário. Dentro dele tem o que a gente chama de flexibilidades patentárias, que é pegar um produto que tem patente, mas, em razão do seu interesse para a saúde pública, tira-se do proprietário”, diz o docente.
O inventor, diz Aith, continua como dono da patente, mas faz uma concessão para que outras indústrias capazes de produzir também possam fabricar o item. “Só vale a pena adotar a licença compulsória se eu tiver uma indústria capaz de copiar o produto que é patenteado pela indústria de referência, pela indústria inovadora”, destaca.
O governo brasileiro já fez uso desse instrumento algumas vezes como uma tentativa de forçar a queda do preço do produto pelo fabricante ou para produzir por meio de órgãos públicos, como o Instituto Butantã ou a Fiocruz.
“É mais barato [o genérico] porque não precisa pagar os royalties, paga-se só o custo de produção e distribuição. Se sei produzir, fica como se fosse a preço de custo. Se eu não sei produzir, vou ter que achar uma indústria, geralmente na Índia ou na China, que saiba produzir sob a licença compulsória”, afirma Aith.
A advogada Melissa Kelly Gomes Fernandes, pós-graduada em Direito Público e especializada em direito médico e da saúde, não considera a prorrogação da vigência destas patentes como algo benéfico para a sociedade, uma vez que o prazo estabelecido na lei questionada pelo processo pode chegar a 20 anos de exclusividade.
“A partir do momento que houver essa extensão do prazo, a sociedade pode vir a sofrer com prejuízos como a falta de acesso a essa medicação, o que já vem acontecendo”, pontua Fernandes. A advogada afirma ainda que, a partir do momento em que outros laboratórios tiverem autorização para fabricar, o custo da medicação deve cair substancialmente. “Pelo menos 70% mais baixo”, estima.
Autor(es): DANIELLE CASTRO / FOLHAPRESS