Ilha na Dinamarca produz mais energia limpa do que consome e vira modelo internacional

SAMSO, DINAMARCA (FOLHAPRESS) – Rural e remota, a pequena ilha de Samso poderia ser só mais um destino bucólico na Dinamarca. Mas o município de 3.700 habitantes ganhou fama ao se tornar 100% autossuficiente na geração de energia limpa.

Hoje, Samso produz 40% mais energia renovável do que consome, exporta cerca de 80 mil megawatts-hora (MWh) de eletricidade por ano para outras regiões do país e é modelo em planejamento de transição energética.

Conhecida pela produção de batatas e pelo aluguel de temporada no verão, a ilha sempre dependeu da importação de petróleo e gás do continente, ao qual está conectada por balsas. Mas o destino mudou em 1997, quando o Ministério do Meio Ambiente lançou uma competição entre cidades.

Samso foi contemplada por um financiamento para atingir 100% de energia limpa em dez anos. O plano foi bem-sucedido antes disso.

Em 2005, a totalidade da energia elétrica consumida na ilha passou a ser produzida por fontes renováveis, em especial turbinas eólicas. Em 1998, quando o projeto foi iniciado, o percentual era de 13%.

Os sistemas de aquecimento também mudaram: se antes os aquecedores consumiam, principalmente, gás e óleo, hoje 75% do aquecimento é alimentado por energia limpa, especialmente produzida por painéis solares ou pelas quatro usinas de biomassa.

A próxima meta de Samso é se tornar 100% livre de combustíveis fósseis até 2030. Para isso, é preciso ir além da geração de energia e reduzir o impacto ambiental de outras atividades. Uma das prioridades é trocar as balsas que conectam a ilha ao continente, movidas a gás natural com hélices elétricas, por versões totalmente elétricas.

Para promover essas mudanças, o foco das lideranças locais tem sido conquistar o apoio da comunidade e mostrar que a transição energética também significa economia.

“Nos primeiros dez anos, o objetivo era substituir petróleo por energia verde. Agora precisamos falar de mudanças climáticas”, diz Soren Hermansen, diretor da Academia de Energia de Samso .

“Antes o foco era chegar ao ‘net-zero’ de energia limpa. Hoje é mais difícil, porque precisamos olhar para a maneira como vivemos e pensar em como reduzir todas as emissões [de CO2].”

Nascido e criado no município, Hermansen era fazendeiro e dava aulas de agricultura orgânica na ilha quando foi convidado pela prefeitura para liderar o plano de transição energética. Em poucos anos ele passou a estampar capas de revistas e viajar pelo mundo compartilhando lições de sustentabilidade.

A Academia de Energia de Samso recebe mais de 5.000 visitantes por ano, entre cientistas e representantes de governos interessados em energia limpa, além de outros milhares impactados por seus treinamentos no exterior.

Nas próximas semanas, Hermansen já tem viagens marcadas para Japão e Estados Unidos, onde deve ajudar lideranças locais no planejamento energético. Destinos na América do Sul, como o Brasil, ainda não estão no radar.

“Os outros países não podem simplesmente copiar o que fazemos. As coisas que funcionam em uma pequena ilha na Dinamarca não são as mesmas que funcionam em uma grande cidade, com vários meios de transporte e milhões de habitantes, por exemplo”, afirma o diretor.

Hermansen afirma que um dos maiores trunfos da transição energética em Samso é a participação da comunidade, que se envolve inclusive financeiramente. Centenas de residentes pagaram do próprio bolso uma parte do gasto para instalar as primeiras 11 turbinas eólicas da ilha.

Quatrocentos moradores se interessaram pelo projeto e gastaram, cada um, US$ 10 mil (R$ 49,6 mil) por cinco cotas de um moinho de vento -o custo estimado de cada equipamento é de mais de US$ 1 milhão (R$ 4,96 milhões).

Esse formato cooperativo é comum na Dinamarca, onde empresas do setor de energia e água permitem que os cidadãos se tornem sócios minoritários, o que pode trazer economia na conta, a longo prazo.

A economia futura também foi a principal motivação do caminhoneiro Flemming Bo Larsen ao instalar painéis de energia solar na casa em que mora com a namorada, Ulla Holm, no vilarejo de Ballen .

Ele contou com a ajuda de treinamentos da Academia de Energia de Samso e, em março, foi palestrante em um workshop sobre como escolher os equipamentos ideais.

“Não sabia nada sobre energia renovável. Antes de mudarmos para Samso, eu tinha um consumo muito baixo de energia elétrica. Quando cheguei aqui, no ano passado, comecei a perceber que gastávamos um valor alto todo mês com aquecimento e eletricidade, é uma casa grande e muito antiga”, diz Larsen.

Com os 16 painéis instalados no telhado da casa em maio, Flemming e Ulla devem produzir mais energia do que precisam -o excedente é vendido automaticamente para a rede. A estimativa deles é a de que os 22 mil euros (R$ 117 mil) investidos na instalação do sistema sejam recuperados em, no máximo, seis anos.

O músico e diretor da associação de carros elétricos da ilha, Stefan Wolffbrandt, reconhece que a economia é a principal motivação para a maioria dos moradores. Para ele, contudo, o maior incentivo veio da própria curiosidade.

“Eu construí minha primeira turbina eólica quando tinha 15 anos, e acho bom experimentar e construir coisas novas. Quando começamos a transição energética, em 1998, os vizinhos começaram a competir para ver quem tinha a casa mais adaptada, e fomos aprendendo juntos.”

Morador do vilarejo de Langemark, Stefan reconhece que ainda há o que melhorar em Samso, e reclama do pequeno número de estações disponíveis para carregamento de veículos elétricos. Há apenas cinco em toda a ilha.

A promessa do governo local é a de que 28 novos pontos de recarga sejam criados até o final do ano, o que deve ajudar o músico em sua missão de popularizar carros elétricos entre amigos e vizinhos.

“As pessoas reclamam que é muito complicado dirigir um carro elétrico, que é muito complexo reciclar, mas quando a gente compra um telefone novo, em dois dias já aprendemos a mexer em todos os recursos”, afirma.

“A verdade é que a gente se acostuma muito rápido às novidades. No fim das contas, temos que mudar o nosso pensamento, antes de qualquer mudança externa.”

Autor(es): PATRÍCIA FIGUEIREDO / FOLHAPRESS

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