SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou uma carta ao apóstolo Estevam Hernandes, idealizador da Marcha para Jesus, agradecendo o “honroso convite” para participar do evento. Avisou que “infelizmente” não poderá ir neste ano, mas que será representado pela deputada Benedita da Silva (PT), quadro evangélico pioneiro no PT, e Jorge Messias, o advogado-geral da União.
“Sempre admirei e respeitei a Marcha para Jesus, que considero uma das mais extraordinárias expressões de fé do nosso povo”, diz o texto assinado por Lula e enviado ao apóstolo, segundo o próprio, pelo gabinete presidencial.
O gesto foi bem recebido por Hernandes, um ex-aliado do petista que, em 2018 e 2022, alinhou-se a Jair Bolsonaro (PL) nas disputas eleitorais. “Achei muito importante da parte dele esse reconhecimento da Marcha, no sentido de ser um evento cristão de importância mundial”, afirmou à reportagem.
Lula nunca foi a uma edição, assim como nenhum outro presidente até Bolsonaro, que marcou presença já no primeiro ano de seu mandato. O petista, contudo, sancionou a lei que criou, em 2009, o Dia Nacional da Marcha para Jesus.
Sua campanha ressaltou essa atitude no ano passado, quando ele estava sendo atacado por vários pastores de expressão nacional, que o acusavam de não se importar com o segmento. Hernandes chegou a dizer à reportagem, um ano atrás, que considerava impossível fazer as pazes com Lula.
Mas disse também na ocasião que, se o ex-presidente voltasse ao poder, seria “praticamente obrigatório” construir novas pontes para o diálogo. “Se você realmente tem o resultado nas urnas, e tem um processo democrático, então nós vamos ser presididos por A ou B, não tem como se insurgir, um ‘não aceito A ou B’. Aquele que for eleito é o presidente dos brasileiros.”
O presidente diz na carta endereçada a Hernandes, fundador da igreja Renascer em Cristo, que “vivemos num momento em que a tela dos nossos celulares nos bombardeiam, o tempo todo, com mentiras e mensagens de ódio”.
Alvo de fake news que se espraiaram por igrejas evangélicas, como a de que fecharia templos se vencesse a eleição, Lula lamenta que “antigas amizades” sejam “quebradas por discordância política”.
A Marcha, contudo, “é o contrário disso”, afirma. “É o louvor à paz e ao amor de Cristo. É a força alegre da fé vencendo o ódio e a discórdia que só afastam as pessoas.”
Lula foi chamado no fim de maio para a caminhada feita há três décadas por evangélicos pelas ruas de São Paulo, um marco do calendário evangélico brasileiro que reúne várias igrejas e sempre convida os chefes do Executivo municipal, estadual e federal. O evento, neste ano, será na quinta (8), no feriado de Corpus Christi.
“Todo ano, milhões de pais, mães, crianças e adolescentes se reúnem para louvar aquele que tantos ensinamentos trouxe à humanidade”, afirma a carta. Na sequência, o petista se diz orgulhoso de ter assinado a lei para tirar do papel o Dia Nacional da Marcha.
A missiva é toda permeada por conteúdo cristão. “Mais do que nunca, precisamos estar unidos em torno dos valores propagados por Cristo”, como “levar o pão a quem tem fome”, afirma.
A relação de Lula com a liderança evangélica mais graúda, que serve de bússola para pastores de igrejas menores, é de vaivéns. Foi malquisto por anos, até ganhar o respaldo de vários líderes em 2002, quando venceu a corrida presidencial pela primeira vez. O endosso foi murchando e, em 2018, a maioria já era abertamente avessa ao petista, então alvejado pela Lava Jato e preso em Curitiba.
Após a vitória sobre Bolsonaro em 2022, essa cúpula religiosa, até então coesa em torno do bolsonarismo, adotou discurso cauteloso. Muitos pastores evocaram o preceito bíblico de sempre orar pela autoridade constituída. Outros não saíram do modo ataque, como Silas Malafaia.
A maioria submergiu. Nos bastidores, comemora o que vê como sinais positivos da Presidência, como uma possível PEC que ampliaria a isenção tributária para igrejas.
Mas o esforço de Lula para aprovar o PL das Fake News, inglório aos olhos da bancada evangélica, e as chamadas pautas identitárias ainda são um obstáculo para selar essa aproximação. Um exemplo é o uso do pronome neutro (“todes”) em eventos oficiais, que irritou uma penca de líderes evangélicos no começo do novo governo.
Autor(es): ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / FOLHAPRESS