RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Um ano após as chuvas que deixaram 133 mortos em Pernambuco, moradores da comunidade de Jardim Monte Verde, local que concentrou mais mortes na região metropolitana do Recife, dizem ter sido abandonados pelo poder público.
O local fica na área limítrofe entre a capital pernambucana e Jaboatão dos Guararapes e concentrou, no trecho de Jaboatão, o maior número de mortos da tragédia do final de maio de 2022, uma das maiores da história do estado.
As chuvas deixaram 63 mortos apenas em Jaboatão (na capital, foram 48), além de milhares de imóveis destruídos. O município é o segundo maior de Pernambuco, com 711 mil habitantes, e tem cerca de 30% dos moradores em áreas de morros, ou seja, cerca de 200 mil pessoas, segundo dados do município.
Ao todo, mais de 128 mil pessoas ficaram desabrigadas e 119 mil, desalojadas.
Em Monte Verde, as barreiras continuam no entorno das casas sem proteção eficiente, o que leva temor em dias e, sobretudo, noites de chuva aos moradores. Há pessoas que precisam subir por escadarias, com trechos de barro, para acessar suas residências.
As dificuldades relatadas são principalmente em relação à locomoção de crianças e idosos, o que pode gerar mais problemas em momentos de chuva e de eventuais colapsos. As queixas ainda contemplam a falta de demolições, obras de muros de arrimo e contenção de barreiras.
Outro fator difícil para os residentes é a saudade de amigos, parentes e conhecidos que morreram há um ano. Para alguns, a própria vida perdeu o sentido diante das ausências.
A aposentada Maria José Ramos Feitosa, 86, teve genro, neta, neto, esposa e filha mortos nos deslizamentos de barreira de 2022 no local onde reside há 30 anos.
“[No dia da tragédia], estava em pé na porta de casa, não fui olhar nada, só vi a saída dos mortos e da minha neta morta inclusive. Vi quando a última parte que desabou da casa dela foi do quarto que ela dormia, pensei ‘meu Deus, pronto, acabou tudo'”, lembra.
Cinco meses depois, o marido dela, de 82 anos, morreu. “Ele morreu de úlcera, mas acho que a cabeça afetou porque ele ficou muito triste sentindo falta dessas pessoas da nossa família. E eu só tenho tristeza, que acabou com minha vida.”
Maria Lúcia da Silva, 66, é aposentada e mora com as filhas na sua residência. Ela perdeu 12 pessoas da mesma família há um ano. Sua residência fica em risco em dias de chuva porque casas inabitadas, que, segundo ela, deveriam ter sido demolidas pela prefeitura de Jaboatão por não poderem ter residentes, continuam de pé.
A moradora também critica a colocação de lonas para cobrir a barreira que fica praticamente em frente à sua residência. Na presença da reportagem, ela levantou o plástico e, por baixo, o conjunto de pedras e terra continua sem proteção.
“Só cobriram com lona e continua tudo igual por baixo. A prefeitura até agora não fez nada”, diz. “Quando chove, a vizinha corre para minha casa, já com medo disso aqui desabar e atingi-la.”
Parte dos moradores das casas que não deveriam ter presença de pessoas por estarem em áreas de risco maior voltou às suas residências. Alguns deles conversaram com a Folha reservadamente e disseram que isso se deve à falta de dinheiro para pagar uma moradia em outro bairro ou cidade.
O autônomo Jefferson da Silva Alves, 39, mora em Jardim Monte Verde há oito anos e, neste ano, alugou uma casa para passar os meses com mais chuva, entre maio e agosto, após vivenciar o caos no ano anterior. Sua residência é cercada por uma barreira de médio porte.
“Não ganhei nada de auxílio, [prometeram] em torno de R$ 300, mas não ganhei. Tenho condições de pagar um aluguel fora [a R$ 400] para passar essas chuvas. Quando fizer sol, eu volto. A gente, em vez de alugar casa de praia, aluga uma casa de chuva para passar ao contrário”, conta.
A principal queixa dos moradores é quanto à área pertencente a Jaboatão dos Guararapes, administrada pelo prefeito Mano Medeiros (PL). “A gente mora no lado de Jaboatão, que não colocou um tijolo ainda aqui. Recife ainda faz alguma coisa [no lado deles], e a [prefeitura] de Jaboatão não tem a decência de fazer alguma coisa.”
Na manhã do deslizamento principal, por volta das 6h de 28 de maio de 2022, Jefferson saiu de casa com a esposa e as duas filhas no carro após ouvir o estrondo do deslizamento de uma barreira.
“Quando olhei e vi minha vizinha de frente colocando o rosto para fora, vi o que estava acontecendo. A vizinha estava chamando por uma pessoa que faleceu avisando que a barreira estava caindo”, relata Jefferson, enquanto chora. “Era todo mundo amigo, vizinho.”
No dia 26 de maio deste ano, moradores de Jardim Monte Verde realizaram uma manifestação com cobranças ao poder público. “Novas chuvas estão chegando [no inverno] e não houve obra executada na localidade. Se cair a mesma chuva de maio de 2022, teremos a mesma tragédia ou pior”, alertou o líder do movimento, Adriano Gonçalves.
Em nota, a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes disse que “entregou, em 2022, 11 muros de arrimo, com investimento de 5,3 milhões. Atualmente, há R$ 40,5 milhões assegurados para obras de encostas, dos quais R$ 26,5 milhões foram licitados, para construção de 138 muros de arrimo”.
A administração municipal também disse que “a comunidade de Monte Verde teve três projetos desenvolvidos, inclusive com os moradores escolhendo os equipamentos a serem implantados em áreas que não podem ser mais ocupadas”.
“Ao todo, são R$ 86 milhões, tendo R$ 6 milhões em processo de licitação, estando o município em busca de captação de recursos para executar as encostas”, diz. A prefeitura afirma que “outras três obras de menor porte (com muros, escadarias, calçadas e drenagem) estão em andamento no local”.
A Prefeitura de Jaboatão ainda disse que 97 demolições foram realizadas e que continuam “com alguma dificuldade, visto que muitos moradores se recusam a deixar os imóveis”. Também frisou que uma base de plantão da Defesa Civil foi implantada em Monte Verde.
Autor(es): JOSÉ MATHEUS SANTOS / FOLHAPRESS