BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A inclusão de despesas do FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) e da educação básica sob o novo arcabouço fiscal aprovado na Câmara dos Deputados entrou na mira dos senadores, que se articulam para mexer nesses pontos do texto.
A necessidade imposta pela nova regra de cortar quase R$ 40 bilhões em despesas discricionárias no envio do Orçamento de 2024 também acendeu o alerta entre os parlamentares, que demonstram preocupação com a repercussão disso sobre os gastos para o ano que vem.
Os pontos de impasse seriam discutidos por lideranças do Senado em reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) nesta quinta-feira (1º), mas o encontro foi cancelado a pedido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devido à votação da MP (medida provisória) que trata da estrutura administrativa do governo –o prazo de análise do texto se encerra nesta quinta.
A equipe econômica almeja uma tramitação célere deste que é um dos principais pilares da política fiscal, mas há também o reconhecimento de que há pontos de dúvida entre os senadores. Ainda não há uma nova data para o encontro entre Haddad e os líderes.
O relator da proposta, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse à Folha de S.Paulo que há três pontos principais alvos de demandas de parlamentares: o artigo 15, que trata dos gastos extras em 2024, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e o FCDF.
Nos bastidores, senadores afirmam que qualquer eventual alteração no texto deve ser combinada com a Câmara, que terá de apreciar novamente a proposta após as mudanças no Senado. Como os deputados têm a palavra final sobre o projeto antes da sanção, o mais prudente seria promover um acerto entre as duas Casas.
A complementação da União para o Fundeb hoje fica fora do teto de gastos, regra fiscal atual que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. A equipe de Haddad manteve esse desenho na proposta original, mas o relator na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), incluiu as despesas sob o novo arcabouço.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já disse publicamente que a medida torna a regra “mais apertada” no médio e longo prazo, uma vez que esses repasses crescem de forma mais acelerada do que os demais gastos. Aziz disse que a bancada ligada à educação já solicitou conversas para discutir o dispositivo.
Há ainda o impasse do FCDF, fundo abastecido pela União com recursos de tributos pagos por toda a população. O dinheiro financia gastos do DF com segurança pública e outras políticas, sob a justificativa de que o governo distrital deve zelar pelo espaço ocupado pela administração federal.
Os repasses ao FCDF também ficam fora do atual teto de gastos, mas foram incluídos no arcabouço pelo relator na Câmara. O texto ainda desvincula o fundo das receitas e prevê que os valores seguirão a regra de correção do limite geral de despesas –com ganhos reais entre 0,6% e 2,5%.
A bancada de parlamentares do DF tem exercido grande pressão para excluir essa mudança do texto.
O terceiro alvo de polêmica é o artigo 15, que trata do espaço extra para gastos em 2024. Pela regra geral, o crescimento do limite de gastos do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação do período.
O percentual resultante desse cálculo deve respeitar o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país. Hoje, a estimativa de economistas é que o percentual para a elaboração do Orçamento de 2024 fique ao redor de 1,5%.
O artigo 15 autoriza o governo a abrir créditos adicionais ao longo do ano que vem até o limite de alta de 2,5%, caso a arrecadação de 2024 suba de forma mais expressiva em relação a 2023. No entanto, como mostrou a Folha de S.Paulo, a redação confusa do dispositivo acabou deixando brechas para interpretações que podem facilitar o alcance desse espaço.
“O artigo 15, as pessoas não estão entendendo bem, a redação dele é confusa”, disse Aziz.
Por outro lado, um ponto preocupa os parlamentares. O texto aprovado na Câmara deixou a regra mais apertada na saída, pois o Orçamento de 2024 terá de ser elaborado com os dados de inflação e crescimento da receita até junho de 2023 –menos favoráveis do que os indicadores que serão usados nos ajustes permitidos no ano que vem.
A ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) reconheceu que isso pode trazer desafios. “Hoje, do jeito que o projeto está, teria que cortar nas despesas discricionárias em torno de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões [em relação ao previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias] por causa da alteração que o relator fez”, disse na terça-feira (30).
O alerta da ministra repercutiu entre parlamentares, já que pode significar uma margem menor para o Congresso alocar recursos na votação do Orçamento. Mesmo que o governo possa abrir os novos créditos ao longo de 2024, isso seria feito sem tanto controle por parte do Legislativo.
Para se ter uma ideia do quanto está em jogo, a consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados simulou os cenários. Pela regra geral do arcabouço, o limite de despesas teria um crescimento de R$ 112,54 bilhões no ano que vem –espaço que precisará ser usado para acomodar despesas como a nova política de valorização do salário mínimo e a retomada dos pisos de saúde e educação vinculados à receita.
O artigo 15 pode permitir um ganho de mais R$ 16,73 bilhões, graças à variação maior do limite real de despesas. Há ainda o dispositivo que permite incorporar, de forma permanente, o efeito da aceleração da inflação até o fim deste ano –um espaço extra de R$ 37,55 bilhões.
Autor(es): IDIANA TOMAZELLI / FOLHAPRESS