BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (7) o julgamento sobre o marco temporal com cenário indefinido e a corte dividida. A falta de consenso pode fazer com que o tribunal não chegue a uma definição rápida da questão.
Parte dos ministros acha que o Supremo deve esperar o tema ser debatido pelo Parlamento, seguindo a lógica que no Estado democrático de Direito, “o Judiciário deve deferência ao Congresso”.
Outra ala acha que o julgamento, que começou em 2021, deve ser finalizado. Além disso, sustenta que uma lei aprovada no Legislativo poderá ter sua constitucionalidade questionada no próprio STF, que terá a palavra final sobre a questão.
Neste grupo está a presidente do Supremo, Rosa Weber, que se comprometeu com líderes indígenas a julgar a questão. Ela tem dito que pretende “resolver logo” a ação e, por isso, manteve a data do julgamento. A falta de consenso pode fazer com que algum dos ministros peça vista (mais tempo de análise do processo) e o julgamento seja adiado.
O STF vai analisar a constitucionalidade do marco temporal, que não é tratada na legislação. A tese afirma que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Pelo critério, indígenas que não estivessem em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las.
Essa tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois validaria e legalizaria invasões e violências cometidas contra indígenas anteriormente à data. Já ruralistas defendem que a determinação serviria para resolver disputas por terra e daria segurança jurídica e econômica para investimentos no campo.
O julgamento trata em específico de um recurso movido pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) contra uma decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), mas terá repercussão geral reconhecida- quando uma decisão da corte serve de referência para o entendimento de todos os casos sobre o tema. Assim, ela servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes que aguardam decisão.
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 30 de maio um projeto de lei que estabelece o marco temporal. O texto ainda precisa do aval do Senado. Se houver mudanças, retorna para a Câmara.
Integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliaram a criação de um grupo entre o Palácio do Planalto, Congresso e Supremo para tentar resolver da disputa.
Líderes da bancada ruralista, porém, rejeitaram a sugestão de que a votação fosse adiada até este debate. Já na visão de membros do Ministério dos Povos Indígenas, o julgamento do Supremo é a principal aposta para derrubar a tese.
Índice do Conteúdo
QUAIS MINISTROS JÁ VOTARAM NA AÇÃO?
O relator do processo, Edson Fachin, foi o primeiro a votar e refutou a tese do marco temporal. Ele disse que a teoria desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição.
Para o ministro, a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco.
Ainda segundo o relator, autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação.
Ele disse que a situação fundiária brasileira é complexa e que os produtores rurais de boa-fé enfrentam diversas dificuldades, mas que a segurança jurídica não pode significar o descumprimento das normas constitucionais, em especial as que asseguram direitos fundamentais.
Já Kassio Nunes Marques reafirmou o marco temporal e votou pelo desprovimento do recurso.
Ele defendeu que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende de um marco temporal.
Segundo o ministro, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, sendo necessária a comprovação de que a área estava ocupada na data da promulgação da Constituição ou que os indígenas tenham sido expulsos em decorrência de conflito pela posse.
Também afirmou que o parâmetro tem sido utilizado em diversos casos, como na ação que tratou da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e a revisão da jurisprudência ocasionaria insegurança jurídica e retorno à situação de conflito fundiário.
Em seguida ao voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. Ele deve ser o primeiro a votar nesta quarta. Qualquer ministro pode pedir vista no processo após ele ser reiniciado.
Autor(es): CONSTANÇA REZENDE / FOLHAPRESS