Tesouro prepara primeira emissão de títulos sustentáveis para o segundo semestre

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil vai fazer a primeira emissão de títulos brasileiros com o selo ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) no segundo semestre de 2023, afirmou à Folha o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

Os recursos vão ajudar a financiar uma série de ações focadas na preservação ambiental e na promoção de políticas sociais e de governança, sobre as quais o país terá de prestar contas aos investidores internacionais nos próximos anos.

O desenho ainda não está fechado, mas uma possibilidade é emitir papéis com prazo de dez anos. “Se for uma emissão de dez anos, durante dez anos teremos que prestar contas periodicamente sobre o andamento do processo”, afirma.

A expectativa é que a medida não só sirva de vitrine para o Brasil, mas também contribua para ampliar o engajamento interno em prol das medidas voltadas à sustentabilidade -sob pena de o país perder credibilidade e fontes de financiamento.

Ao assumir seu terceiro mandato, em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elegeu a pauta ambiental como um dos focos de sua gestão, mas sofreu derrotas importantes, como o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente na votação da MP (medida provisória) da estrutura de governo.

O governo também administra o embate entre Meio Ambiente e a Petrobras em torno da licença para a empresa explorar petróleo na camada do pré-sal na bacia da foz do Amazonas.

A emissão dos títulos sustentáveis colocará o Brasil dentro de um mercado em expansão diante da preocupação crescente com os temas ligados à pauta ESG.

O Tesouro iniciou os estudos no início de 2021, ainda sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) -cuja gestão foi marcada pelo aumento nos índices de queimadas e desmatamento, despertando críticas internacionais.

Em maio deste ano, Lula editou um decreto que cria o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas, formado pelo secretário do Tesouro Nacional e por representantes de dez ministérios, incluindo Fazenda, Meio Ambiente, Minas e Energia, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e outros.

O colegiado será responsável por definir a estratégia das emissões, escolher as ações a serem financiadas pelos recursos e prestar contas periodicamente aos investidores que compraram os títulos.

Segundo Ceron, o governo já mapeou ações e programas que podem atrair o dinheiro de investidores sob o selo ESG, com menor custo para o país. A lista inclui ações de combate ao desmatamento, agricultura sustentável, preservação de áreas nativas, irrigação sustentável e apoio a programas de desenvolvimento tecnológico relacionados à transição energética.

O comitê pode incluir também alguma ação da área social ou de governança (como políticas relacionadas à pauta de gênero), mas o secretário ressalta que o maior apetite hoje é pela temática verde. “A parte ambiental é a agenda mais cara para os investidores externos neste momento”, diz.

O chamado “arcabouço” da emissão -uma espécie de carta de apresentação aos investidores e que não tem nada a ver com o arcabouço fiscal em tramitação no Congresso Nacional- deve ser concluído no mês de junho. Depois, o Tesouro deve iniciar uma exibição (roadshow) aos potenciais compradores do título.

“Estaremos prontos para preparar e encontrar a melhor janela no segundo semestre para fazer a emissão”, afirma Ceron.

“É um marco muito importante. Nós vamos dar o passo mais consistente e concreto perante o mundo de que é efetivo esse caminho de apoio à pauta da transição ecológica, energética. Estamos tentando amarrar bem o documento das ações para poder garantir isso.”

O governo brasileiro costuma fazer ao menos uma emissão internacional por ano. A mais recente foi realizada em 5 de abril deste ano, quando o governo Lula captou US$ 2,25 bilhões, em um leilão de demanda elevada e juros mais altos, acompanhando o resto do mundo.

Em um leilão de títulos com a marca ESG, as taxas cobradas pelos investidores costumam ser menores, uma espécie de prêmio concedido ao país diante do compromisso com as pautas sustentáveis.

Existem dois tipos de título nesse mercado. O primeiro é a emissão sustentável, focada em financiar um conjunto de ações elencadas pelo governo, mas sem necessariamente carimbar o dinheiro -o que dá mais flexibilidade na gestão dos recursos.

“Não há uma ponte direta, aquele dinheiro da emissão vai pagar isso. Mas tem que ter uma equivalência. Estou fazendo um conjunto de ações que vão representar X bilhões. Depois, há uma prestação de contas até o resgate total dessas emissões sobre o cumprimento daquele compromisso”, explica Ceron.

Segundo ele, esse será o modelo da primeira emissão brasileira nesse mercado. É o formato usado também pela Colômbia, que, em setembro de 2021, captou o equivalente a cerca de US$ 200 milhões em moeda local por meio de um título verde com prazo de 10 anos, para financiar projetos sustentáveis. A taxa de juros ficou em 7% ao ano.

Mas isso não vai impedir o Tesouro Nacional de aderir no futuro ao segundo modelo existente, que amarra os recursos captados à realização de um projeto específico.

Nesse caso, a redução dos juros é ainda maior na comparação com uma emissão regular de títulos externos, mas o país fica sujeito a uma penalidade na própria taxa, caso o projeto atrase ou não saia do papel.

O modelo foi usado pelo Uruguai, que, em outubro de 2022, emitiu um papel vinculado a metas específicas ligadas à pauta ESG. O governo uruguaio captou US$ 1,5 bilhão por meio de um título com prazo de 12 anos e juros de 5,75% ao ano -taxa que pode subir ou cair conforme o cumprimento das metas.

O Tesouro ainda analisa qual a melhor janela para inaugurar o título sustentável, assim como avalia em que moeda fazer a emissão. As captações globais executadas pelo Brasil têm sido majoritariamente em dólar, mas o mercado ESG tem registrado demanda relevante em euros.

“Claro que o mercado mais desenvolvido é sempre referenciado em dólar, mas este mercado específico em euro também é relevante. Essa decisão a gente vai tomar ao longo do processo de roadshow”, afirma Ceron.

“A gente vai construir um mercado. A ideia é que seja um programa. Não vai parar numa emissão. E vamos diversificando, para criar possibilidades. Para alguns grupos nacionais pode fazer mais sentido captar em euro, então é importante construir uma curva também referenciada em euro.”

O secretário destaca ainda que, além de representar um marco para o país, a emissão ESG deve ampliar o acesso de empresas brasileiras a esse mercado.

“Não importa qual montante a gente faça nessa emissão, mas ela deve alavancar múltiplos disso em emissões privadas. Tem uma parte que é simbólica, tem um valor importante, até de geopolítica, de marcar presença do Brasil lá fora de uma forma concreta. A outra é você realmente, do ponto de vista econômico-financeiro do setor, abrir funding [fonte de financiamento] competitivo para grupos nacionais investirem na transição ecológica, na indústria, substituir maquinário, fazer projeto de eólica, hidrogênio verde”, diz.

**Membros do Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas**

Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (presidente do colegiado)

Ministério da Agricultura e Pecuária

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar

Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços

Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

Ministério de Minas e Energia

Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento

Autor(es): IDIANA TOMAZELLI / FOLHAPRESS

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